Mais uma vez a TV brasileira repete a imbecilização dos cegos
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22:35 (Há 9 horas)
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Olá para todos.
Mais uma vez a TV brasileira repete a imbecilização dos cegos, com um texto piegas, que só faz crescer a estigmatisação de nossa classe.
E, novamente, com o apoio de uma filantrópica paulistana, que só presta desserviço para as pessoas com deficiência visual, mostrando o lado coitadinho, infelizmente.
Fiquem com o texto, que não é de minha autoria, mas endosso cada palavra.
Renato Barbato
Locutor e apresentador
Se você quer um mundo diferente, seja diferente, faça a diferença.
Fantástico presta desserviço aos cegos
Do Movimento Cidade para Todos
O programa Fantástico, da TV Globo, nunca foi de propor e aprofundar reflexões sobre coisa nenhuma. Sua principal característica sempre foi entreter, geralmente com matérias que impactam o telespectador pela emoção - que é o que dá audiência mesmo.
Já as grandes instituições assistencialistas para pessoas com deficiência costumam usar sua influência e o quase total desconhecimento dos jornalistas sobre o tema para pautar a imprensa naquilo que fazem de melhor: conseguir doações depois de arrancar lágrimas de piedade de leitores e telespectadores.
A união da fome com a vontade de comer só poderia ter dado (mais uma vez) na reportagem exibida pela emissora na noite do último domingo, 23 de agosto, que apresentou o encontro de cegos com seus ídolos: os atores Ailton Graça, Alexandre Borges, Christiane Torloni e Nicette Bruno (Nicette, aliás, é uma espécie de "madrinha" da nefasta fundação paulistana para cegos que participou da matéria com seus funcionários).
Vale destacar aqui que nós mesmos estamos cansados de criticar em São Paulo esta fundação e as secretarias municipal, estadual e nacional da pessoa com deficiência - que até hoje não disseram a que vieram -, mas suas frequentes pisadas na bola costumam ser uma excelente oportunidade para falar de inclusão como se deve e com bom alcance.
Então, vamos lá: durante esta matéria, alguém mencionou um recursozinho chamado audiodescrição? Alguém explicou que a audiodescrição é a narração de imagens para o cego em novelas, filmes, peças de teatro, livros, museus e até partos e casamentos? Que, com ela, quem não enxerga fica sabendo como são os rostos, cabelos, roupas, cenários e toda a ação da cena? E que os silêncios na telinha são finalmente compreendidos sem a ajuda de familiares e amigos? Enfim, alguém informou que, por lei, a audiodescrição já está disponível na televisão brasileira durante seis horas semanais e, com o controle remoto, pode ser acionada pelo segundo canal de áudio, como a tecla SAP?
Claro que não. O que interessava ali era apenas a comoção provocada pelos coitadinhos dos cegos que jamais puderam ver seus atores favoritos e tiveram, finalmente, uma chance de tocá-los, abraçá-los, conversar com eles. Nada contra: cego ou não, quem não gostaria de encontrar seu ídolo? A questão é que matérias como essa são um enorme desserviço aos cegos porque apenas reforçam o estigma de pessoas dignas de pena. O que seria completamente diferente se o encontro fosse apenas um gancho para apresentar e divulgar ao público a audiodescrição, um recurso de extrema importância para quem não enxerga, o recurso de acessibilidade que realmente garante inclusão e autonomia e que, infelizmente, ainda precisa crescer muito, mas muito mais neste país.
É preciso chegar mais perto deste segmento da população que não tem acesso a direitos básicos e essa é sua grande, árdua e praticamente desconhecida luta diária: faltam pisos táteis, semáforos sonoros, transporte acessível, livros em braile nas escolas (que chegam com atraso e incompletos), livros digitais acessíveis vendidos pelas editoras e scanners de voz nas bibliotecas públicas, para que possam ouvir e digitalizar as obras de que precisam - e, sim, não custa ressaltar que cegos utilizam largamente celulares, tablets e computadores como todo mundo (e muito mais do que o braile) graças aos programas que leem em voz alta todo o conteúdo da tela.
Passou da hora de a grande imprensa parar de recorrer a instituições assistencialistas quando precisa de informações e "personagens" para suas reportagens. Chega de cegos chorões, pidunchos, despolitizados e eternamente atrelados a essas fundações da vida, ultrapassados guetos, na contramão da história porque apenas segregam e estigmatizam pessoas. Quisessem mesmo utilizar dinheiro e influência para incluir quem tem deficiência, governos e filantrópicas já teriam conseguido enormes avanços na área...
Aproveitamos para parabenizar o doutor Drauzio Varella, que, também no Fantástico, apresenta a excelente série sobre Síndrome de Down, que realmente promove inclusão - e inclusão, sempre é bom lembrar, nada mais é do que garantia de direitos: direito à educação nas escolas convencionais, direito à saúde, ao trabalho, à cultura e ao lazer. Direito à cidadania. E caridade nada tem a ver com isso. A caridade institucional precisa da exclusão porque sobrevive e lucra com ela. Pena que a maior parte da imprensa brasileira ainda não saiba disso.
O programa Fantástico, da TV Globo, nunca foi de propor e aprofundar reflexões sobre coisa nenhuma. Sua principal característica sempre foi entreter, geralmente com matérias que impactam o telespectador pela emoção - que é o que dá audiência mesmo.
Já as grandes instituições assistencialistas para pessoas com deficiência costumam usar sua influência e o quase total desconhecimento dos jornalistas sobre o tema para pautar a imprensa naquilo que fazem de melhor: conseguir doações depois de arrancar lágrimas de piedade de leitores e telespectadores.
A união da fome com a vontade de comer só poderia ter dado (mais uma vez) na reportagem exibida pela emissora na noite do último domingo, 23 de agosto, que apresentou o encontro de cegos com seus ídolos: os atores Ailton Graça, Alexandre Borges, Christiane Torloni e Nicette Bruno (Nicette, aliás, é uma espécie de "madrinha" da nefasta fundação paulistana para cegos que participou da matéria com seus funcionários).
Vale destacar aqui que nós mesmos estamos cansados de criticar em São Paulo esta fundação e as secretarias municipal, estadual e nacional da pessoa com deficiência - que até hoje não disseram a que vieram -, mas suas frequentes pisadas na bola costumam ser uma excelente oportunidade para falar de inclusão como se deve e com bom alcance.
Então, vamos lá: durante esta matéria, alguém mencionou um recursozinho chamado audiodescrição? Alguém explicou que a audiodescrição é a narração de imagens para o cego em novelas, filmes, peças de teatro, livros, museus e até partos e casamentos? Que, com ela, quem não enxerga fica sabendo como são os rostos, cabelos, roupas, cenários e toda a ação da cena? E que os silêncios na telinha são finalmente compreendidos sem a ajuda de familiares e amigos? Enfim, alguém informou que, por lei, a audiodescrição já está disponível na televisão brasileira durante seis horas semanais e, com o controle remoto, pode ser acionada pelo segundo canal de áudio, como a tecla SAP?
Claro que não. O que interessava ali era apenas a comoção provocada pelos coitadinhos dos cegos que jamais puderam ver seus atores favoritos e tiveram, finalmente, uma chance de tocá-los, abraçá-los, conversar com eles. Nada contra: cego ou não, quem não gostaria de encontrar seu ídolo? A questão é que matérias como essa são um enorme desserviço aos cegos porque apenas reforçam o estigma de pessoas dignas de pena. O que seria completamente diferente se o encontro fosse apenas um gancho para apresentar e divulgar ao público a audiodescrição, um recurso de extrema importância para quem não enxerga, o recurso de acessibilidade que realmente garante inclusão e autonomia e que, infelizmente, ainda precisa crescer muito, mas muito mais neste país.
É preciso chegar mais perto deste segmento da população que não tem acesso a direitos básicos e essa é sua grande, árdua e praticamente desconhecida luta diária: faltam pisos táteis, semáforos sonoros, transporte acessível, livros em braile nas escolas (que chegam com atraso e incompletos), livros digitais acessíveis vendidos pelas editoras e scanners de voz nas bibliotecas públicas, para que possam ouvir e digitalizar as obras de que precisam - e, sim, não custa ressaltar que cegos utilizam largamente celulares, tablets e computadores como todo mundo (e muito mais do que o braile) graças aos programas que leem em voz alta todo o conteúdo da tela.
Passou da hora de a grande imprensa parar de recorrer a instituições assistencialistas quando precisa de informações e "personagens" para suas reportagens. Chega de cegos chorões, pidunchos, despolitizados e eternamente atrelados a essas fundações da vida, ultrapassados guetos, na contramão da história porque apenas segregam e estigmatizam pessoas. Quisessem mesmo utilizar dinheiro e influência para incluir quem tem deficiência, governos e filantrópicas já teriam conseguido enormes avanços na área...
Aproveitamos para parabenizar o doutor Drauzio Varella, que, também no Fantástico, apresenta a excelente série sobre Síndrome de Down, que realmente promove inclusão - e inclusão, sempre é bom lembrar, nada mais é do que garantia de direitos: direito à educação nas escolas convencionais, direito à saúde, ao trabalho, à cultura e ao lazer. Direito à cidadania. E caridade nada tem a ver com isso. A caridade institucional precisa da exclusão porque sobrevive e lucra com ela. Pena que a maior parte da imprensa brasileira ainda não saiba disso.
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